“A relação com o Legislativo não azedou”, diz Raquel Lyra

Agovernadora explicou que os vetos que fez na LOA são válidos do ponto de vista jurídico

Por Anthony Santana, Betânia Santana, Thalis Araújo, Patrícia Raposo (Movimento Econômico), Paulo Goethe (Movimento Econômico)

A governadora Raquel Lyra (PSD), que atravessa um momento decisivo de sua trajetória à frente do Palácio do Campo das Princesas, recebeu as equipes da Folha de Pernambuco e do Movimento Econômico para uma entrevista exclusiva de balanço de 2025, nesta segunda-feira (29). Com o olhar voltado para o equilíbrio entre a entrega de metas administrativas e a complexa articulação política, a gestora detalhou os avanços que definiram seu terceiro ano de mandato. Entre o balanço de obras e programas de governo, ela analisou a temperatura da relação com a Assembleia Legislativa (Alepe) e como a governabilidade tem sido moldada em meio a diálogos e divergências. Também falou, entre outros temas, sobre a construção do processo eleitoral de 2026, os avanços na atração de investimentos e geração de empregos.

LOA
“A discussão da Lei Orçamentária Anual (LOA) é inédita em Pernambuco. Talvez até no Brasil. Existe um rito constitucional a ser seguido. Cada um dos poderes tem uma responsabilidade gigante a respeito do que deve ser a harmonia entre eles para que a gente possa fazer o estado crescer. Não podemos brigar entre nós mesmos e atravancar o desenvolvimento em Pernambuco. Os outros estados estão voando, não podemos ficar para trás.”

Eleições
Quanto ao pleito de 2026, a governadora deixou claro que este assunto não é prioridade, por enquanto. “As eleições acontecerão no tempo das eleições. Este é o tempo de  fazer o estado crescer. É tempo de governar. Para quem é governante, quem tem o mandato delegado pelo povo de Pernambuco, tem uma responsabilidade imensa de poder representá-lo à sua altura. Tem gente que teve oportunidade de fazer muita coisa e não fez. Sou governadora e tenho o direito de exercer aquilo que o povo me elegeu para fazer.”

Disputa
“Não tenho disputa nenhuma com a Assembleia Legislativa. Muito pelo contrário, tenho respeito pela Casa. Tenho respeito pelos deputados e deputadas, que foram legitimamente eleitos pelo povo pernambucano, como eu fui.  Nunca vi uma operação de crédito demorar quase 180 dias para ser aprovada. Nunca vi discutir a importância de uma operação de crédito. Agora, uma lei orçamentária, se não tem segurança jurídica, não só atravanca o desenvolvimento, atrapalha o funcionamento da máquina pública na segurança, na saúde, na educação, no pagamento das contas públicas, do salário das pessoas. Impede, inclusive, o regular funcionamento dos outros poderes.”

Veto
Ainda sobre a LOA, a governadora defende que a versão publicada com os vetos por ela é a válida. “Há duas leis orçamentárias, mas a procuradoria que cuida disso, coloca que a lei que vale é a publicada com os vetos. É atribuição constitucional da governadora do estado sancionar ou vetar a lei que foi votada na Assembleia no prazo de 15 dias e eu assim o fiz. Este veto precisa tramitar na casa. Não pode ter decisão liminar de um deputado para dizer se o veto é válido ou não. Isso é regra constitucional, colocada pela Constituição Federal e é obrigatoriamente replicada na Constituição do Estado de Pernambuco e nas leis orgânicas municipais. Então, nós não estamos numa disputa política aqui. Essa é uma discussão jurídica, mas que traz elementos que podem desencadear discussões políticas críticas.”

Alepe
“A relação com o Legislativo não azedou. Temos uma excelente relação com o Poder Legislativo. Os deputados e deputadas, na sua ampla maioria, querem o desenvolvimento de Pernambuco. Todo mundo quer dinheiro nas suas cidades, quer água, quer estrada, quer saúde, nós estamos fazendo. Para investimentos, chegamos a ter R$ 5 bilhões. Fora os investimentos em Suape, na Compesa. Estamos mudando o patamar.”

Álvaro Porto
“Ele é presidente de um Poder. E eu o respeito por isso. Mas o que a gente precisa é tirar da frente aquilo que não é o interesse maior do povo, e nos unirmos a favor daquilo que é fazer o nosso estado crescer, mas não deixar ninguém para trás. A quem serve não votar a Lei Orçamentária? A quem serve não votar as operações de crédito? As respostas são muito claras. Então, vamos tirar aquilo que não nos une e vamos cuidar do estado de Pernambuco. […] Se houver instabilidade aqui dentro, Pernambuco perde, porque esses investimentos irão para algum lugar. […] A regra precisa ser jogada dentro das quatro linhas. Eleição é eleição e vai acontecer no ano que vem. Agora, eu sou a governadora de Pernambuco, disso não abro mão.”

Prefeitos
“O que estamos apresentando não é o meu projeto, é para Pernambuco. É um projeto no qual a gente está conseguindo garantir investimentos estruturadores em todas as áreas do governo. Se a gente soma os três anos de governo, já fizemos mais do que os oito anos que nos antecederam em cada uma das áreas. Temos o fortalecimento de um partido político, que tenho a honra hoje de poder estar filiada. Temos aqui pessoas que acreditam que o projeto não é pessoal, não é sobre Raquel e nunca foi, não é sobre a próxima eleição, é sobre as próximas gerações, porque o meu compromisso é geracional.”

Cadeira
“Eu subo na cadeira pra ser vista, porque eu sou pequena. As pessoas que estão lá no fundo muitas vezes não conseguem me enxergar. Não é uma estratégia de marketing. Pode ser que alguém use para isso, eu não. Continuarei subindo. A oposição pode ler do jeito que quiser porque estamos numa democracia. Eu subo para quando sair o retrato, eu sair na foto. Para o povo poder me ver, me ouvir. Essa sou eu. […] A bandeira de Pernambuco é a nossa bandeira. Enquanto muita gente quer levantar a bandeira partidária, eu estou levantando a de Pernambuco, acho que é importante para unir o nosso estado. A bandeira de Pernambuco nos une. Todo mundo que olha para ela se sente contemplado. […] Quando a gente afasta aquilo que nos separa, seja o que for,  encontra o que nos une e o que nos une é a bandeira de Pernambuco.”

Aliados 
“Temos partidos da base, todos fortalecidos, todos precisam crescer. Pernambuco viu por muito tempo uma harmonia muito forte. E aqui temos parceiros que crescem junto com a gente, que se colocam junto. Vão estruturar as chapas proporcionais para o ano que vem, vão ser colocados também, obviamente, na disputa majoritária. Então, esse é o jogo que nós estamos fazendo aqui e agora.”

Reforma 1
A reforma tributária pôs fim a benefícios como os incentivos fiscais à indústria, que geraram mais de R$ 1 bilhão em investimentos este ano no estado. Sobre como manter a competitividade, a governadora foi direta. “A reforma tributária aprovada ainda gera muitas incertezas. Nós não sabemos qual será a alíquota geral, quais setores terão regimes específicos nem qual será o tamanho do fundo que vai substituir os incentivos fiscais. Isso afeta diretamente o planejamento das empresas, porque investimento é decidido com antecedência. A modelagem atual leva mais recursos para o Sudeste e aprofunda desigualdades regionais. Levar mais dinheiro para quem já tem mais dinheiro não é justo. Essa conta não pode ser apenas per capita. Ela precisa considerar onde há necessidade real de investimento estruturador, onde existem déficits históricos — inclusive de acesso à água para beber.”

Reforma 2
Diante desse cenário, Raquel diz que a estratégia do estado é clara. “Investir pesado em infraestrutura. Lançamos um programa de R$ 5 bilhões em estradas, saneamento, duplicação da BR-232 e conclusão do Arco Metropolitano. Isso melhora a logística, aumenta a competitividade e mostra ao setor produtivo que Pernambuco é um estado confiável.”

Infraestrutura
“Estamos reestruturando a dívida do estado com o Banco Mundial, o que vai permitir alongar prazos e abrir espaço fiscal. Quando eu cheguei em 2023, Pernambuco não podia fazer uma operação de crédito sequer. Organizamos a casa, aderimos a programas de ajuste fiscal e hoje somos um estado bom pagador. Banco não faz favor a ninguém. O estado precisa ser bom pagador. E nós somos.”

Empregos
“Reduzimos o desemprego de quase 15% para cerca de 10%. Fomos o estado que mais reduziu a taxa e que mais aumentou a renda média do trabalhador, segundo o Caged. Isso é resultado direto dos investimentos públicos, que saltaram de 3% para 12% da receita corrente líquida. Hoje temos cerca de R$ 40 bilhões em investimentos privados em execução. Só a duplicação do trem 2 da refinaria Abreu e Lima vai gerar cerca de 16 mil empregos. O novo terminal da APM Terminals já emprega mais de mil pessoas apenas nas obras.”

Transnordestina
“O estado  assistiu silente à retirada da Transnordestina do contrato com a empresa privada original em dezembro de 2022. Muita gente disse para eu desistir dessa obra, que esse era um tema vencido. Participei de reuniões em que Pernambuco nem era esperado, e nossa sigla aparecia de caneta nas planilhas, depois de impressas. Mas conseguimos, por uma decisão política do presidente da República, com o apoio do ministro Renan Filho e da Infra S.A., garantir a volta da Transnordestina a Pernambuco”.

Recursos
“A obra (da Transnordestina) agora são 70 quilômetros entre Custódia e Arcoverde, e temos R$ 400 milhões garantidos pelo governo federal para esse trecho. O compromisso da Infra S.A. é lançar novos trechos ao longo do próximo semestre. Me preocupa que só há R$ 50 milhões previstos no orçamento do ano que vem. Falei isso com o ministro Renan, com o presidente Lula e com o ministro da Casa Civil. O ministro disse: ‘Raquel, à medida que a obra for sendo tocada, a gente tira dinheiro de estrada e coloca lá’. Confiamos nisso. Mas é importante a gente ver o orçamento aberto para garantir que não haja, quando começar a executar a obra, paralisação.”

Interessados
“A Transnordestina nos repõe no mapa logístico do mundo. Tem a Petrobras, a China e os Emirados Árabes interessados com a conexão que ela pode nos dar via Suape para o Centro-Oeste e para o Norte. É o novo desenho de logística do Brasil via Suape. Retomado o primeiro quilômetro, a iniciativa privada já começa a se posicionar com interesse. E o trecho de Suape, que diziam que não tinha projeto, não tinha de fato. Fizemos o projeto executivo, está pronto. Quando a obra avançar, queremos fazer licitação ou trazer a iniciativa privada, que é o melhor caminho.”

Patamar
“A mudança de patamar virá de um conjunto de indicadores. O primeiro deles é a competitividade. Em 2022, Pernambuco foi apontado pelo Banco Mundial como o pior estado do país para se fazer negócios. Estamos revertendo esse quadro com investimentos estruturadores em estradas, portos, aeroportos, redução da burocracia, licenciamento ambiental mais ágil e regras fiscais mais claras. Já temos resultados: Pernambuco lidera a geração de empregos formais no Nordeste, aumentou a renda média, reduziu a extrema pobreza e voltou a crescer acima da média nacional em todos os trimestres de 2025.”

Arranjos
“Estamos fortalecendo arranjos produtivos como o polo automotivo, a bacia leiteira – que agora é a maior do Nordeste  -, o polo de confecções e a fruticultura irrigada, conectando produção ao Porto de Suape com mais infraestrutura e tecnologia. Também estamos investindo na qualificação da mão de obra e na atração de empresas de alto valor agregado. O objetivo é tornar Pernambuco um estado competitivo, confiável e atrativo para investimentos, com crescimento sustentável e redução das desigualdades.”

Segurança 
A governadora afirmou que o reforço do policiamento ostensivo, com a chegada dos chamados laranjinhas (policiais novatos que ganharam esse apelido por conta do boné cor de laranja) marcou uma virada na segurança pública e devolveu à população o direito de ocupar os espaços públicos. “Com os 2.300 policiais que colocamos nas ruas, devolvemos à população o direito de poder sair de casa, colocar a cadeira na calçada para conversar com o vizinho, o direito de ir no transporte coletivo com tranquilidade”, disse. Segundo ela, 85% dos roubos no transporte coletivo caíram com a chegada dos laranjinhas.

Decisão
Segundo Raquel Lyra, a primeira decisão para o avanço da segurança no estado foi assumir pessoalmente a liderança da política de segurança. “O que fizemos foi assumir a responsabilidade e a liderança da segurança pública no nosso estado. Para muita gente, esse cálculo é arriscado, porque pode dar certo ou pode dar errado, mas, como governadora eu não poderia me furtar da responsabilidade de ser chefe da segurança pública do nosso estado”, disse.

Educação 
Sobre a educação, Raquel afirmou que o estado passa por um processo profundo de reestruturação da rede pública de ensino. Segundo ela, o foco tem sido corrigir distorções do passado, ampliar a educação em tempo integral com qualidade e garantir infraestrutura adequada para alunos e profissionais. “A gente tem hoje uma rede de 1.081 escolas e o maior percentual de cobertura de matrículas em educação em tempo integral”, afirmou. A governadora destacou, no entanto, que o modelo herdado apresentava problemas estruturais.

Crítica
Raquel criticou o funcionamento de unidades integrais sem espaços essenciais. “Tiraram refeitório, tiraram biblioteca, tiraram laboratório, não construíram quadras. E os meninos passavam o dia inteiro numa escola que não oferecia essas alternativas”, disse. Para ela, a falta de investimentos resulta na percepção negativa dos estudantes para com o ambiente de estudos. “Eles entendem, e isso é fato, quase como um confinamento”, afirmou. Outro ponto destacado foi a jornada excessiva. “Tinha escola em tempo integral funcionando em dois turnos, das 7h às 14h e das 14h às 22h. Mandar menino para casa 10 horas da noite não dá”, afirmou. Segundo a governadora, esse modelo está sendo revisto. “Acabei de assinar um decreto acabando com isso tudo. Escola de tempo integral agora funciona até 14h, e vamos ampliar todas elas até as 17h”.

Plano
“Eu quero universalizar a educação em Pernambuco. O plano é fazer isso nos próximos cinco anos, mas dá para fazer nos próximos três, porque nós estamos avançando todos os anos”. Para isso, Raquel destacou investimentos estruturais. “Estamos reformando as escolas, colocando cozinha nova, refeitório novo, ar-condicionado em todas elas, requalificando e ampliando.”

Esportes
Sobre os investimentos no Autódromo Ayrton Senna, em Caruaru, Raquel destacou o interesse da iniciativa privada em fomentar o turismo na região por meio da reforma do espaço. “Existe interesse de muitos grupos em assumir o autódromo e já criar um calendário para que o turismo do automobilismo possa ser útil e trazer mais desenvolvimento, com geração de emprego e renda para Pernambuco.”